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Por que não brigamos com nós mesmos?!

Situações que poderiam bem passar despercebidas, como a de minha prima que apareceu aqui em casa logo cedo, acabaram por inspirar essa crônica/discussão. Então, o que tão brilhante fez ela? A resposta é breve, meu caro: foi na rua, comprou uns remédios para Mainha, lavou os pratos aqui de casa no pós-almoço, sem reclamação alguma.

Mas, eis que surgiu uma porrada de questionamentos: quantas vezes minha prima fez isso na própria casa sem hesitar?! Quantas vezes deixou cozinhas/banheiros de amigos e parentes brilhando quando na verdade possuía uma certa ojeriza em relação a alguns cômodos da própria casa?

Não encontro respostas 100% corretas para tais questionamentos, mas o viés dos mesmos atingiram diretamente este que vos escreve/digita. Quantas vezes não saí do meu apartamento lá em Sousa, uma bagunça só, e, após uma conversa e outra, inventei de arrumar o quarto, a cozinha, a sala alheia? Por que nós sempre insistimos em dizer que só encontramos paz lá fora, longe do conforto de nosso lar? Será que estamos realmente em paz?

Aos poucos fui começando a perceber que não havia muito brilhantismo naquela ação de minha prima, aliás, mais pareceu uma artimanha criada para apagar a desordem que a habita, apesar de eu ser inteiramente grato, tanto quanto minha mãe, mas de outra maneira.

Na verdade, pessoas como minha prima, como eu, como você, ainda que tentem ser tão somente responsáveis, para não dizer boazinhas, não escapam do pejo de afirmar-se enquanto sujeitos da melhor índole perante os outros. É o mal de nós enquanto seres humanos.

O ideal “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã” é distante justamente porque nossos atos nunca deixaram de ser pautados para o binômio ação/recompensa. Hoje, nas nossas relações interpessoais, cotidianas e fora de nosso lar, talvez valha mesmo aquilo que bem colocou Gabriel García Márquez a cerca do amor em 'Memórias de Minhas Putas Tristes', como sendo não “um estado da alma”, mas, enfim, “um signo do Zodíaco”. Ou você é santo?! Diga-se de passagem, alguns mulçumanos, até eles, no mais alto grau de sua crença ferrenha, desejam um lugarzinho lá no paraíso onde possivelmente encontrarão 72 mulheres virgens, além de rios de leite e mel.

O mundo, não só para minha prima, mas também para mim, igualmente para você muitas vezes pode parecer bastante confortável... Mas, não é! Já parou pra pensar o quão fácil é culpar nossa família pelas nossas falhas?! Vive reclamando de que sua mãe é isso, seu pai e seus irmãos são aquilo? Mas por que não se perguntar que parcela de culpa você tem para a paz não reinar dentro de sua casa. Por que não brigamos com nós mesmos?!

Nós jovens temos uma fixação pelo mundo. Mas, é o mundo que nos impele a ler, escutar, ver, acompanhar tudo da mesma forma que nos empurra goela abaixo placebos diários para alavancar nossa força, esta que nunca usaremos plenamente algum dia. O mundo nos abraça e puxa para perto dele, mas depois mostra igualmente suas garras em ascendente grau de crueldade. E o que somos nisso tudo?! Somos tão somente esse “eu” (in) compreendido pelo que nos puseram peremptoriamente a crer que somos?! Somos covardes?!

Não, eu não sou uma tia-velha. Não, isso aqui também não é um texto que repete tão somente o que meus pais me disseram todos esses anos assim como não é um texto do tipo boi-da-cara-preta para fazer você voltar para as barras da calça e vestidos de seus pais sempre que o mundo te assustar. Não, esse não é um texto anacronicamente cristão, em nada diz respeito a fazer as pazes com um Deus imaginário, por espontânea vontade.

No entanto, não custa nada reconhecer, embora a gente muitas vezes siga numa via dúplice, penosa, cheias de egos e esperanças, sem contramão, que nossa família, ela, sim, cumpre um papel primordial, que é exatamente não deixar que esqueçamos de nós próprios.
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Assim, antes de arrumar a casa alheia, melhor mesmo é arrumar a própria. Paz aparente é uma desgraça. Pense nisso vc!

Abraço!